do Livro Flores, Espinhos e Vendavais
Essa pequena História aconteceu numa pequena escola de uma pequena cidade do interior do Estado do Tocantins.
O COMPLÔ
Certo dia, numa determinada sala de aula de um, nada tranquilo, Centro de Ensino Médio, os alunos resolveram pôr à prova a capacidade do professor Robério, que lecionava a disciplina de Filosofia e era concebido como o mais inteligente de todos que lecionavam naquela instituição, já que falava como ninguém dos pensadores da antigüidade aos embates econômicos, sociais e políticos da atualidade… Mas era velho.
Queriam que ele se posicionasse a respeito da pena de morte aos crimes humanos. A turma se dividiu em duas facções: uma a favor e a outra, contra. Desenvolveram pesquisas e efetuaram discussões entre eles e com especialistas para que nenhuma das opiniões a serem emitidas pelo professor pudesse livrá-lo da taxação de ultrapassado.
Quando o velho professor entrou na sala, o autor do complô foi logo perguntando:
— Professor o senhor é contra ou a favor da pena de morte? E, por favor, justifique sua resposta porque já discutimos muito e não conseguimos chegar a um consenso.
O professor abaixou a cabeça e começou a tirar seu material de trabalho e pôr sobre a mesa. Enquanto isso reinava o silêncio absoluto, impróprio para aquele horário. Minutos depois, outro aluno repetiu a pergunta, mas o professor continuou a pôr seus materiais sobre o móvel como se não tivesse prestado atenção à indagação.Impaciente com a demora, outro estudante em tom mais atrevido, voltou a fazer o mesmo questionamento. Todavia o professor não lhe deu ouvido e continuou sua atividade, que era seu ritual de todos os dias: tirar um a um de sua maleta os objetos que utilizaria na aula, pondo cada um em seu devido lugar, para depois fechar o zíper, dirigir-se até o canto direito da sala, ao lado da lousa, onde depois de colocar a pasta, iniciava sua aula, saudando a todos com uma boa tarde.
O que deixou os estudantes agitados foi o fato do cerimonial corriqueiro que passava despercebido pela turma, nesse dia, ter durado quase uma eternidade.
Depois de ter concluído seu rito dirigiu-se ao assunto posto em discussão e perguntou:
— Então vocês querem saber qual é a minha opinião sobre a pena de morte, pois bem, vamos começar. Que tal iniciarmos com o caso de Jesus Cristo?
A pergunta deixou todos apreensivos e com ar de desconfiança, sabiam que uma de suas especialidades era esquivar-se, aquela esperta saída pela tangente. Mas dessa vez, seus dias estavam contados, a hora da verdade havia chegado e trataram logo de cortar o mal pela raiz com uma contestação nada cordial:
— O que queremos é apenas saber sua opinião sobre a pena de morte, a história de Cristo já aconteceu há muitos anos e não nos interessa mais. Para ser mais claro, estamos cansados de ouvi-la, todos nós a conhecemos de cor e salteado, por isso deixe o Salvador de lado e nos responda se é contra ou a favor e nos daremos por satisfeitos!
Mas o professor, fingindo não perceber a inquietude da turma, calmamente perguntou ao próprio interpelante:
— Então você conhece a história de Cristo de cor e salteado, ótimo! Isso só ajuda na nossa discussão, porque para mim cada vez que ouço ou leio a respeito mais aumentam minhas dúvidas. Como estão bem entendidos sobre o assunto vai ser bom porque poderei aprender algo novo com vocês. Que tal, meu camarada, começarmos pelo que acredita que levou o exército romano a aprisionar, julgar, condenar e matar o Messias?
O jovem tentou esquivar-se, mas pressionado pelos outros emitiu sua opinião:
— Cristo morreu porque pregava a lei do amor e o povo daquele tempo vivia sob o julgo das normas mosaicas que se fundamentavam na lei de talião do olho por olho e dente por dente, aquela do bateu levou.
A resposta foi recebida por aplausos de pé. Pensaram, pronto, agora o professor está ferrado, houve até quem gritasse:
— Saia dessa, professor!
O FIM É SEMPRE O COMEÇO PARA OS SÁBIOS
Entretanto o professor não mudou em nada o seu semblante, ao contrário, estava gostando do clima, era uma oportunidade única para a construção de um grande debate. Então se pronunciou:
— Vejo que é bom em oratória e que conhece bem a história de Jesus, por isso compreende bem que o motivo pelo qual foi morto, hoje é inaceitável para a maioria da população do planeta. Mas se vivêssemos naquele tempo, sob o julgo dessa lei citada por você, por quem optaríamos, por Jesus ou Barrabás? Qual dos dois seria mais coerente com a lei em evidência naquele período?
O silêncio perdurou por alguns instantes até que um estudante muito afoito levantou a voz e disse:
— O mais coerente era Barrabás porque era ele quem revidava da mesma forma às agressões do exército romano sobre o povo por ele chefiado, vingando-se sempre que podia, ou seja, se o exército matava um membro do seu grupo, ele tinha a obrigação de matar outro da armada inimiga, como acontece hoje entre Israelitas e Palestinos.
O CAMINHO DA VITÓRIA É FEITO DE DEGRAUS
Mais uma vez a turma aplaudiu de pé, crendo que havia fechado mais uma porta ao professor. Entretanto este, em vez de demonstrar-se acuado como esperavam, simplesmente comentou:
— Vejo que compreenderam bem o julgo sob o qual Cristo foi crucificado. E hoje em nosso país, por acaso alguém sabe a que grupo pertence as pessoas que lotam os presídios?
A resposta foi imediata, clara e objetiva:
— São os negros, pobres e ladrões de galinhas, porque os magnatas que roubam grandes valores têm dinheiro… e quem tem grana em nosso país pode dar-se ao luxo de ser desonesto.
E ASSIM OS SÁBIOS ENSINAM
Não podia haver melhor momento para a intervenção, então o professor teceu seu comentário:
— Em vista da explanação de vocês, responderei à pergunta inicial. Confesso que em meio a tanto emaranhado da justiça, acho estranho quando os jornais divulgam as prisões de bandidos, porque na minha vã inteligência não consigo entender os critérios para a definição do crime em nosso país.— Não consigo entender como num dado momento aparece um homem da lei dizendo que lugar de delinquente é na prisão e no momento seguinte, o autor da declaração é pego em flagrante, em desvio de verbas e outras propinas, e se recusa a ir preso.
— E mais, no final de todas as discussões envolvendo delito, há estranhamente, sempre controvérsias aberrantes na definição das provas; elas são sempre insuficientes para punir um determinado grupo de infratores e sobram na punição de outro. Portanto, se a pena de morte só será aplicada a aqueles que forem presos, quem serão os julgados e os condenados?
— E pergunto mais: as pessoas que estão nas prisões são mesmo as que deveriam estar lá, ou estão ali por incompetência da justiça? — Se apenas esse segmento social, muito bem citado por vocês, for posto a julgamento, haverá alguma possibilidade de se fazer justiça nesse país, ou estaremos aumentando a fila dos justos condenados? — Estaremos dizendo sim a Barrabás e lavando nossas mãos como Pilatos, ou já alcançamos maturidade suficiente para punir os injustos e libertar quem deveras merece?
Ninguém se atreveu a responder, mas estava claro, o professor sabia muito bem; todos sabiam com propriedade qual seria a resposta verdadeira. Assim como no referido exemplo, os doutores da lei também sabiam e mesmo assim instigaram o povo a dizer não a Jesus e sim a Barrabás.