O Velho Professor

http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/entrevista-rubem-alves-471231.shtml

do Livro Flores, Espinhos e Vendavais

Essa pequena História aconteceu numa pequena escola de uma pequena cidade do interior do Estado do Tocantins.
Certo dia, numa determinada sala de aula de um, nada tranquilo, Centro de Ensino Médio, os alunos resolveram pôr à prova a capacidade do professor Robério, que lecionava a disciplina de Filosofia e era concebido como o mais inteligente de todos que lecionavam naquela instituição, já que falava como ninguém dos pensadores da antigüidade aos embates econômicos, sociais e políticos da atualidade… Mas era velho.
Queriam que ele se posicionasse a respeito da pena de morte aos crimes humanos. A turma se dividiu em duas facções: uma a favor e a outra, contra. Desenvolveram pesquisas e efetuaram discussões entre eles e com especialistas para que nenhuma das opiniões a serem emitidas pelo professor pudesse livrá-lo da taxação de ultrapassado.
Quando o velho professor entrou na sala, o autor do complô foi logo perguntando:
— Professor o senhor é contra ou a favor da pena de morte? E, por favor, justifique sua resposta porque já discutimos muito e não conseguimos chegar a um consenso.
O professor abaixou a cabeça e começou a tirar seu material de trabalho e pôr sobre a mesa. Enquanto isso reinava o silêncio absoluto, impróprio para aquele horário. Minutos depois, outro aluno repetiu a pergunta, mas o professor continuou a pôr seus materiais sobre o móvel como se não tivesse prestado atenção à indagação.Impaciente com a demora, outro estudante em tom mais atrevido, voltou a fazer o mesmo questionamento. Todavia o professor não lhe deu ouvido e continuou sua atividade, que era seu ritual de todos os dias: tirar um a um de sua maleta os objetos que utilizaria na aula, pondo cada um em seu devido lugar, para depois fechar o zíper, dirigir-se até o canto direito da sala, ao lado da lousa, onde depois de colocar a pasta, iniciava sua aula, saudando a todos com uma boa tarde.

O que deixou os estudantes agitados foi o fato do cerimonial corriqueiro que passava despercebido pela turma, nesse dia, ter durado quase uma eternidade.

A RESPOSTA INESPERADA

 

Depois de ter concluído seu rito dirigiu-se ao assunto posto em discussão e perguntou:
— Então vocês querem saber qual é a minha opinião sobre a pena de morte, pois bem, vamos começar. Que tal iniciarmos com o caso de Jesus Cristo?
A pergunta deixou todos apreensivos e com ar de desconfiança, sabiam que uma de suas especialidades era esquivar-se, aquela esperta saída pela tangente. Mas dessa vez, seus dias estavam contados, a hora da verdade havia chegado e trataram logo de cortar o mal pela raiz com uma contestação nada cordial:
— O que queremos é apenas saber sua opinião sobre a pena de morte, a história de Cristo já aconteceu há muitos anos e não nos interessa mais. Para ser mais claro, estamos cansados de ouvi-la, todos nós a conhecemos de cor e salteado, por isso deixe o Salvador de lado e nos responda se é contra ou a favor e nos daremos por satisfeitos!
Mas o professor, fingindo não perceber a inquietude da turma, calmamente perguntou ao próprio interpelante:
— Então você conhece a história de Cristo de cor e salteado, ótimo! Isso só ajuda na nossa discussão, porque para mim cada vez que ouço ou leio a respeito mais aumentam minhas dúvidas. Como estão bem entendidos sobre o assunto vai ser bom porque poderei aprender algo novo com vocês. Que tal, meu camarada, começarmos pelo que acredita que levou o exército romano a aprisionar, julgar, condenar e matar o Messias?
O jovem tentou esquivar-se, mas pressionado pelos outros emitiu sua opinião:
— Cristo morreu porque pregava a lei do amor e o povo daquele tempo vivia sob o julgo das normas mosaicas que se fundamentavam na lei de talião do olho por olho e dente por dente, aquela do bateu levou.
A resposta foi recebida por aplausos de pé. Pensaram, pronto, agora o professor está ferrado, houve até quem gritasse:
— Saia dessa, professor!
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O FIM É SEMPRE O COMEÇO PARA OS SÁBIOS

Entretanto o professor não mudou em nada o seu semblante, ao contrário, estava gostando do clima, era uma oportunidade única para a construção de um grande debate. Então se pronunciou:
— Vejo que é bom em oratória e que conhece bem a história de Jesus, por isso compreende bem que o motivo pelo qual foi morto, hoje é inaceitável para a maioria da população do planeta. Mas se vivêssemos naquele tempo, sob o julgo dessa lei citada por você, por quem optaríamos, por Jesus ou Barrabás? Qual dos dois seria mais coerente com a lei em evidência naquele período?
O silêncio perdurou por alguns instantes até que um estudante muito afoito levantou a voz e disse:
— O mais coerente era Barrabás porque era ele quem revidava da mesma forma às agressões do exército romano sobre o povo por ele chefiado, vingando-se sempre que podia, ou seja, se o exército matava um membro do seu grupo, ele tinha a obrigação de matar outro da armada inimiga, como acontece hoje entre Israelitas e Palestinos.
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O CAMINHO DA VITÓRIA É FEITO DE DEGRAUS

 

Mais uma vez a turma aplaudiu de pé, crendo que havia fechado mais uma porta ao professor. Entretanto este, em vez de demonstrar-se acuado como esperavam, simplesmente comentou:
— Vejo que compreenderam bem o julgo sob o qual Cristo foi crucificado. E hoje em nosso país, por acaso alguém sabe a que grupo pertence as pessoas que lotam os presídios?
A resposta foi imediata, clara e objetiva:
— São os negros, pobres e ladrões de galinhas, porque os magnatas que roubam grandes valores têm dinheiro… e quem tem grana em nosso país pode dar-se ao luxo de ser desonesto.
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E ASSIM OS SÁBIOS ENSINAM

 

Não podia haver melhor momento para a intervenção, então o professor teceu seu comentário:
— Em vista da explanação de vocês, responderei à pergunta inicial. Confesso que em meio a tanto emaranhado da justiça, acho estranho quando os jornais divulgam as prisões de bandidos, porque na minha vã inteligência não consigo entender os critérios para a definição do crime em nosso país.— Não consigo entender como num dado momento aparece um homem da lei dizendo que lugar de delinquente é na prisão e no momento seguinte, o autor da declaração é pego em flagrante, em desvio de verbas e outras propinas, e se recusa a ir preso.

— E mais, no final de todas as discussões envolvendo delito, há estranhamente, sempre controvérsias aberrantes na definição das provas; elas são sempre insuficientes para punir um determinado grupo de infratores e sobram na punição de outro. Portanto, se a pena de morte só será aplicada a aqueles que forem presos, quem serão os julgados e os condenados?

— E pergunto mais: as pessoas que estão nas prisões são mesmo as que deveriam estar lá, ou estão ali por incompetência da justiça? — Se apenas esse segmento social, muito bem citado por vocês, for posto a julgamento, haverá alguma possibilidade de se fazer justiça nesse país, ou estaremos aumentando a fila dos justos condenados? — Estaremos dizendo sim a Barrabás e lavando nossas mãos como Pilatos, ou já alcançamos maturidade suficiente para punir os injustos e libertar quem deveras merece?

Ninguém se atreveu a responder, mas estava claro, o professor sabia muito bem; todos sabiam com propriedade qual seria a resposta verdadeira. Assim como no referido exemplo, os doutores da lei também sabiam e mesmo assim instigaram o povo a dizer não a Jesus e sim a Barrabás.

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