O deputado e o Presidente

Do Livro: Além das Tempestades
Um ano depois das eleições o deputado retorna para uma visita ao local de trabalho do seu principal colaborador da campanha que o elegeu.
Ao se aproximar da sede da associação de moradores, em que seu ex-cabo eleitoral presidia, perguntou a um morador o nome do presidente, pois não se lembrava mais.
Ao chegar ao destino cumprimenta o presidente como se este fosse seu melhor amigo.
─ Zeca, seu filho da mãe, há quanto tempo! Você nem imagina como senti falta daqueles nossos papos no tempo da campanha. Hoje cancelei todos os meus compromissos, inclusive deixei de participar de uma reunião com o governador para estar aqui contigo, afinal um amigo como você não se encontra todo dia.
─ Mas, a reunião do governador com os deputados não foi ontem? Perguntou o presidente.
─ Ah, ontem teve uma, entretanto hoje ele iria se reunir pessoalmente comigo. Mas como eu já havia marcado de vir aqui, nem que chovesse canivete eu adiaria esta visita. Falei pra ele que sentia muito em ter que adiar o encontro, mas precisava rever uma pessoa que muito ajudou na minha campanha e que sem ela com certeza eu não estaria sentado na cadeira dos deputados; e mais, ele me disse do jeito que estou te falando agora:
─ É uma pena termos que adiar uma reunião tão importante, mas da próxima tu não me escapa, vai lá dá um abraço nele por mim e diga que quero conhecê-lo em breve.
─ Não sei o que está havendo, compadre, os jornais locais informaram que o governador havia marcado a viagem de hoje cedo para o Japão a mais de um mês, mas como o senhor está passando outra informação, confesso que estou confuso ─ fala o presidente com simplicidade.
─ Minha nossa, isso é verdade, havia me esquecido! Mas, o importante é que estou aqui, não é mesmo compadre? ─ E tua mulher, como vai, continua com aquele carisma contagiante. Como havia prometido que não deixaria vocês desamparados, já falei para meu assessor arrumar o mais rápido possível uma vaga para ela na prefeitura.
─ Como o senhor poderá conceder um emprego para minha mulher se ela morreu há três anos?
Por esta o deputado não esperava e precisou de alguns minutos para se recuperar.
─ Não, compadre, é que ouvi um boato que dizia que o senhor havia encontrado uma nova companheira, então pensei comigo, porque não ajudá-los?
─ hoje seu Estado de saúde está complicado, compadre, não se lembra das tantas vezes que lhe falei, aqui mesmo nesse banco, que jurei à minha esposa, em seu leito de morte, que só me casaria novamente sete anos depois que ela fosse embora, e que reafirmei a promessa sobre o túmulo dela? ─ Não foi o senhor mesmo quem disse que nunca havia visto uma demonstração de amor tão grande de um homem para com uma mulher?
Por esta outra o deputado também não esperava e tratou logo de mudar o rumo da conversa.
─ Mudando de assunto compadre, o senhor sabe que fui eu quem falou para o prefeito construir essa belíssima praça aqui no seu bairro, não sabe?
– Não, todo mundo aqui sabe que esta obra foi projeto do vereador Pedrinho.
─ É claro! Mas fui eu que falei com ele para procurar o prefeito e construir logo essa praça que era um sonho antigo dos moradores dessa região
─ Mas nunca fizemos nada para termos uma praça, nossos pedidos eram outros.
─ Era mesmo, e foi por isso que além de construir a praça pedi que o prefeito também construísse a escola para que os filhos de vocês parassem de caminhar tanto para estudar.
─ Tem alguma coisa errada com o senhor hoje doutor, a única escola que temos foi construída há oito anos bem no centro do bairro, e reformada antes das eleições, portanto não havia como o senhor ter apresentado algum projeto para construí-la.
─ Ó Então me desculpe, é que confundi o seu nome com o do Seu Zé presidente da associação do Bairro Tabocão. São tantas pessoas para ajudar que às vezes a gente troca as bolas, mas lhe garanto que não me esqueci das minhas promessas. Acho que quando olhei na agenda o nome Zé, me confundi e mandei construir a escola no lugar errado.
─ O senhor está mesmo num dia daqueles, no Bairro Tabocão também já tem escolas, e em nenhum dos outros bairros da região norte tem algum presidente de associação com o nome Zé. No Bairro Tabocão o Presidente é o Senhor Pedro Paulo, que o povo chama de Pedrão. O Senhor tem certeza que só errou de nome?
Por essa o deputado também não esperava, mas não podia se dá por vencido.
─ Ah! Já sei, o problema foi que roubaram minha agenda com as anotações da campanha e minha memória já não anda boa.
─ Ah! Então é por isso que o senhor se esqueceu que pedimos uma creche e não uma escola?
─ É mesmo, era uma creche, acabei de lembrar!!! E por isso vou telefonar agora mesmo e pedir que o prefeito comece amanhã mesmo a construção da creche. ─ Alô! Prefeito, aqui quem fala é o deputado dos pobres, estou na associação de moradores da Vila Sagrada em frente ao Sr. Zeca Pinto, presidente da entidade, pedindo encarecidamente que mande urgente construir a creche do bairro, tchau! Um beijo amor.
─ Compadre, o senhor depois que se tornou deputado virou veado?
─ Por quê?
─ O senhor não acabou de mandar um beijo para o prefeito?
Essa foi demais! Precisava encontrar urgentemente uma desculpa, ou então sua índole moral de bom cidadão, pai de família exemplar chegaria ao fim, ou estaria seriamente comprometida.
─ Não, o que falei foi: Dê um jeito, Doutor!!
─ Não compadre, o que o senhor disse foi um beijo amor, que eu ouvi direitinho com este ouvido que a terra um dia há de comer.
─ Está certo compadre, é que eu e o prefeito somos velhos amigos e a gente brinca falando besteira no telefone.
─ Ah! Agora está entendido, porque eu já estava pensando outra coisa.
Procurando uma desculpa para ir embora o deputado diz:
─ Eu só vim aqui pra lhe dar um abraço, tem umas senhoras que me pediram ajuda nos Bairros da região leste e preciso visitá-las.
─ O senhor acabou de dizer que cancelou uma reunião com o governador só pra vir falar comigo e agora mal chegou já está indo embora?
─ Eu vou, mas quero que vá ao meu gabinete para continuarmos o papo, o mês passado viajei muito, mas neste não vou arredar o pé, estou pondo em dia todos os meus compromissos no Estado.
─ Quer dizer que o senhor não viajou este mês?
─ Só nos finais de semana com a família.
─ Então porque na semana passada eu liguei para o seu gabinete e me disseram que o senhor estava em Brasília?
─ Olha só como são as coisas, realmente o senhor ligou para o meu escritório segunda-feira, a secretária me falou quando cheguei. Você nem imagina o que fui fazer no Distrito Federal. Vou lhe contar, mas fique aí sentadinho e cuidado para não cair para trás. Veja você que fui chamado às pressas para participar da votação do novo salário mínimo. Por falar em salário o senhor gostou do aumento que demos?
─ Que deram, ou tiveram?
─ Como assim, o senhor está achando pouco um salário que definitivamente inclui o trabalhador brasileiro no mercado de consumo?
─ O senhor gostaria de recebê-lo mensalmente?
─ Claro que não! Mas eu sou um deputado. Embora o senhor tenha dúvidas é bom que saibas que pela primeira vez na história desse país aprovamos um salário digno às necessidades do trabalhador.
─ De qual salário o senhor está falando?
─ Do mínimo é lógico!
─ Cá pra nós, o senhor considera justo este aumento?
─ Sem a menor sombra de dúvida! Numa inflação baixa e com a estabilidade econômica que temos dez por cento é um aumento fantástico.
─ Então porque vocês parlamentares aumentaram seus salários em mais de cinqüenta por cento?
Depois dessa não havia mais nada a fazer naquele lugar tenebroso, demonstrando muita pressa o deputado apertou a mão do compadre e saiu sem olhar para trás.

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