Num lugar equidistante existia uma grande república, privilegiada pela localização geográfica não era atingida por terremotos capazes de derrubarem uma única casa, nem estava nas rotas dos furacões. Possuía uma terra fértil que havia até quem dissesse que tudo que se plantasse nela produziria. Possuía um imenso litoral, uma infinidade de ambientes paradisíacos de belezas insuperáveis; uma invejável floresta e um dos maiores mananciais potáveis do mundo. Era uma relíquia de valor incalculável.
No meio de todos esses elementos da natureza emergindo num ciclo incessante havia grandes contingentes de povos miseráveis, verdadeiros súditos de prometeu , condenados a sofrerem nas portas do paraíso. Essa república poderia ser considerada abençoada por Deus se não fosse seus sucessivos e repetitivos líderes. Neste lugar fascinante imperava a velha máxima de que “os espinhos e os pedregulhos são maiores no caminho do paraíso,” se a natureza se encarregou de fazer tudo certo o povo se incumbiu-se de fazer, desde o princípio, tudo errado.
Certo grupo há séculos havia se institucionalizado no poder e ao longo desses anos se encarregou de destruir todas as expectativas e crenças das outras parcelas populacionais até que todos passaram a desacreditar nos seus representantes legais na política e preferiam continuar votando sucessivamente nos mesmos e nos seus familiares, consolidando verdadeiras dinastias onde deveria prevalecer a democracia. Tinham medo que votando em outros e acabassem aumentando o número de embusteiros. O povo não entendia, mas com essa atitude perpetuava sua escravidão.
O congresso Nacional era um antro de corrupção, as leis só serviam para beneficiar a cúpula que gozava dos mais augustos privilégios, em detrimento da manutenção da miséria e da despolitização do eleitor. Faziam de tudo para permanecerem no poder. O esforço dos períodos das campanhas eleitorais tinha um único propósito, a conquista de regalias para seus próprios benefícios; tiravam até o mínimo que o povo possuía e ainda se elegiam prometendo devolver quando fossem novamente eleitos. Isso se repetia em todas as eleições, inicialmente tudo dentro da lei: aprovavam salários milionários, acrescidos de auxílio moradia e verbas para despesas no Estado, aposentadoria com oito anos de mandato, viagens internacionais e transportes à disposição para ir e vir onde e a que horas quisessem.
A imparcialidade do povo com a política era o que mais contribuía para que esses representantes políticos aumentassem seus privilégios. Quando a lei os beneficiava votavam na calada da noite, quando favorecia o povo o congresso não conseguia quorum.
E ano após ano se repetia o ciclo abominável de mais uma previa eleitoral para escolha de um novo velho conhecido ao governo.
Certa vez um velho educador cansado de ver tantas promessas de campanhas não cumpridas, depois das eleições, resolveu se candidatar. Dos dez candidatos era o único a levantar a bandeira da oposição. Nas prévias seu nome era o último, primeiro porque era o único que começava com a letra “Z” de Zósimo, segundo porque não tinha uma história política como militante; terceiro não pertencia a nenhuma linhagem de governantes e quarto porque não representava nenhum partido de destaque. Na concepção dos entendidos em política era o tipo de candidatura que já nascia derrotada.
Sabia que suas chances eram mínimas, mas que existiam. O que considerava essencial naquele momento era ser determinado em sua luta e que seu esforço pudesse despertar em alguém a ação em prol de uma república mais humana. Sabia que ficar parado assistindo a tudo de cima do muro, como a grande parcela da população vinha fazendo, só contribuía para a crescente hipocrisia dos governantes.
Sabia que um adversário se torna vulnerável quando não vendo rival à sua altura subestima os demais, e era justamente o que ocorria naquele momento. Não havia ocasião mais propícia para pleitear uma vaga ao comando da nação, porque nunca o poder dominante tinha demonstrado tanta auto-suficiência e descaso com a dignidade dos cidadãos.
Por ser um professor centrou sua campanha em defesa desta categoria, sabia da força que esta classe possuía, mas percebia sua apatia, sua falta de determinação para lutar, sua falta de perspectivas para sonhar e falta de horizontes para seguir. Percebia a nos olhos daqueles que deveriam ser a luz daquela sociedade.
Na adolescência havia criado uma frase que era o lema de sua luta em busca dos seus ideais: “Não feche os olhos à escuridão para não perder a chance de ver a claridade chegar”. Agarrado a esta premissa encetou sua luta.
Sua primeira aparição ao público arrancou risos da platéia, seus cartazes irônicos chamaram a atenção até mesmo dos adversários pela pretensão estúpida de enfrentar o invencível. Mas ele conhecia muito bem a história de Aquiles e sabia que o limite do invencível é seu calcanhar.
Em pouco tempo conseguiu um respaldo quase próximo ao do seu maior concorrente junto ao eleitorado tornou-se, entre todos, um dos mais comentados; mas isso não preocupou os governantes porque tinham nove a seu favor.
O slogan inicial: “eleitor palhaço vota em palhaço” atingiu seu primeiro objetivo que era o de ser apresentado ao público, mas não rendeu diretamente votos. Isso também não o incomodou, porque o alvo da campanha naquele momento consistia em causar impacto já que, entre os dez candidatos, era o que tinha menos chance.
Num segundo momento, com o início da campanha na mídia radiofônica e televisiva mudou o slogan que passou a ter a seguinte frase: “vote em professor palhaço porque nada caracteriza melhor a forma que o educador é tratado nessa república do que essa cara…” (aparecia seu rosto pintado de palhaço com nariz postiço e tudo). Uma frase que só o povo leu.
O povo que andava descrente parou olhou e conseguiu enxergar uma minúscula luz…acesa. Uma pesquisa de opinião semanas depois do novo slogan mostrou uma leve, porém significativa ascensão: dois pontos percentuais, o suficiente para que saísse do último para o oitavo lugar.
As pessoas começavam a mudar seus conceitos à medida que ouviam suas declarações que eram verdadeiras tempestades a quem andava adormecido. Com isso aos poucos a história das eleições começava a mudar, três resultados de pesquisas depois, já o mostravam na quinta posição.
A terceira estratégia da campanha consistiu na mudança do discurso que até então se limitava a satirizar os governantes hipócritas que enganavam o povo, para um humor mais crítico e com um forte comprometimento social, do tipo: “votem no palhaço porque no espetáculo trágico em que temos vivido até o pão que nos roubam, num ano, tem sido utilizado como recurso de campanha para elegê-los num outro”. E o povo compreendeu muito bem o que ele disse, pois esse era o dilema de suas vidas.
No primeiro debate arrasou os dois concorrentes mais próximos, o público percebeu sua habilidade e poder de oratória e na pesquisa seguinte já era o terceiro. A direita começou a incomodar-se ao ver seus candidatos sendo derrotados um a um, mas se via impotente em difama-lo, porque não via como denegrir a imagem de alguém que já se assumia publicamente como palhaço.
Os comícios eram verdadeiros espetáculos circenses, fazia cambalhotas e contava piadas de estilos variados, o público delirava de tanta alegria. Muitos outros humoristas e artistas dos diversos gêneros, principalmente os da comédia, residentes na república e das mais diversas localidades, sabendo o que estava acontecendo se uniram para ajudar, e sua fama em pouco tempo, chegava imperiosa aos mais diversos segmentos sociais.
Nas últimas semanas da campanha era comum ver as pessoas nas ruas com as mascaras de palhaço, ou com narizes postiços fabricados por eles mesmos, comprados, ou distribuídos pelos inúmeros voluntários que se multiplicavam por todos os lugares formando uma incessante massa que até então não se tinha visto e nem se acreditava que fosse possível acontecer naquela república. Mesmo assim continuava na terceira posição.
No último debate arrasou o segundo colocado. A forma como respondia e como perguntava arrancava riso até mesmo dos concorrentes, que não conseguiam se conterem diante da maestria com que se manifestava o palhaço, candidato. Mas na pesquisa seguinte continuava na mesma colocação, terceiro lugar.
Para o eleitorado sua colocação nas pesquisas não tinha importância, era visível a diferença no contingente de público nos últimos showmicios. Embora o candidato da situação contratasse estrelas da música nacional para mega shows, o que se percebia durante os discursos dos candidatos, é que havia maior satisfação do público em ouvir o que o palhaço dizia. Os números de adeptos nas ruas também evidenciavam a progressiva diferença.
À medida que campanha se aproximava do final grandes carreatas a favor do palhaço passaram a tomar conta das ruas e as cidades ficavam mais parecidas com espetáculos circenses. Além dos palhaços com pernas de pau, apareceram: trapezistas, bailarinas, mágicos e muitos outros. Com tanta gente de cara pintada e caracterizada como tal, ficava, às vezes, difícil saber quem era o verdadeiro candidato. Mas distingui-lo entre os demais não era a meta que se propunha, e sim que todos fossem envolvidos nas marchas, independente do traje que escolhessem e escolheram, o povo escolheu o que mais lhe caia bem, a cara de palhaço. Depois de tanto tempo assistindo a todo tipo de palhaçada dos governantes realmente nada caracterizava melhor a situação do povo que a máscara de palhaço. E assim por cada bairro onde passava era seguido por uma crescente multidão.
O candidato da direita, representando a elite, traçou seu velho e infalível plano, o mesmo de todas as últimas semanas de campanhas. Revestiu-se da velha imagem de boa gente, aquela velha máscara que o povo estava cansado de ver no período das eleições, primeiro trocou o gabinete pelas ruas, segundo trocou os belos ternos por camisas simplórias, terceiro fez grandiosas doações às igrejas, mesmo estando longe de datas festivas e por último fez muito mais promessas do que na eleição anterior.
O povo que a muito assistia a repetição dos mesmos gestos e das mesmas promessas das eleições anteriores recusou a sua proposta e lhe ofereceram de forma gratuita muitas vaias. Vaias que refletiam a insatisfação de uma vida, e assim, onde quer que o candidato à reeleição aparecesse e, ou qualquer coisa que falasse recebia vaias. Nunca na história daquela república um candidato havia sido tão vaiado.
O palco do palhaço continuava do mesmo jeito que começou, um tablado de madeira montado por voluntários que se multiplicavam cada vez mais, até que os donos das carpintarias locais se uniram e construíram um grande picadeiro para o último comício, mas o candidato da situação coligado com sua corja mandou desligar as luzes daquele bairro, enquanto que em todos os outros esbanjava energia. No mesmo dia e horário na região central da república também foi marcado o mega comício do adversário, que se iniciou com uma demasiada queima de fogos e propaganda do mega show do maior nome na música popular da república no momento.
O tiro saiu pela culatra, mesmo sem energia o público optou pelo palhaço e com ajuda de voluntários foi improvisado um gerador de energia para o palco. Nos bastidores do outro showmicio os músicos ficaram sabendo o que estava se passando e resolveram mudar de lado. Na metade do show fizeram uma pausa e falaram das injustiças sociais que vinham ocorrendo naquela república, falaram da necessidade de se votarem em pessoas sérias e honestas, logo em seguida clamaram por justiça. O vocalista sabendo que a insatisfação do público era uma arma mortal contra a hipocrisia, finalizou seu discurso dizendo:
─ vocês sabem da sujeira que vem ocorrendo nestas eleições, portanto não renunciem seus sonhos, vocês têm a chance de mudarem esta trajetória trágica, só vocês podem fazer isso por vocês mesmo.
Percebendo que o vulcão que há séculos estava inoperante na alma do povo nunca esteve tão próximo de uma erupção resolveu acender o estopim e pergunta o óbvio:
─ vocês vão votar em quem? A resposta ecoou como o som de uma trombeta de guerra:
─ no palhaço!!!
Volta a perguntar, em quem?
─ palhaço!!! mais alto – no palhaço!!!
Finaliza dizendo:
─ não se esqueçam de que quem faz sujeira agora com certeza fará depois.
A pequena multidão que assistia a o show foi a delírio, os chefes de campanha exigiram que os empresários dos artistas cancelassem o show, mas os seguranças amavam o palhaço e desobedeceram. Poucos minutos depois no outro bairro onde à custa de muita dificuldade a oposição dava prosseguimento ao comício, a notícia dos transtornos ocorridos com os músicos soou como uma bomba, o público entrou em euforia, uma multidão subiu no palco pegou o palhaço e o carregou nos braços por cinco quarteirões até o local onde estava sendo realizado o show do adversário.
O aviso de que o eleitorado do outro comício se aproximava proporcionou uma grande onda de alegria a uns participantes e desespero a outros. Os músicos intensificaram o ritmo e transformaram tudo num intenso carnaval. A direita convocou a polícia para impedir o prosseguimento do show, mas a polícia amava o palhaço e desobedeceu e ainda ofereceu o próprio carro do corpo de bombeiros para que o candidato da oposição pudesse chegar ao palco. Foi um triunfo de herói.
Uma semana depois, o público comemorava a vitória esmagadora da oposição e no final de quatro anos de governo o povo pode comprovar a diferença entre um voto imposto pelo poder e um voto democrático.