A mulher no quarto de despejo me alertou sobre o difícil mundo daqueles que passam fome. Com a experiência de quem conviveu a vida inteira ao lado dela, me falou sua verdade mais sublime: “a cara mais feia do mundo é a da fome”.
A mulher no quarto de despejo foi alfabetizada nos lixões e todo dia lia nos restos dos jornais, fruto do trabalho de um dia inteiro, os projetos dos ministros para a erradicação da fome, projetos esses que nunca chegaram à sua porta.
O livro quarto de despejo foi a minha porta de entrada, para o até então desconhecido, mundo da fome no planeta terra.
Nos anos oitenta o movimento We are the World cantando para o mundo, fez uma breve pausa para a fome que assolava a Etiópia, mas quando a música parou a fome continuou, só ela persistiu, a canção não foi tão perene; não conseguindo passar de um sucesso momentâneo, enquanto a fome apenas se estruturava para um estágio muito mais devastador nos anos vindouros.
Ao longo desses anos o mundo evoluiu, já conseguimos até enviar sondas a marte, promover passeios ao espaço, construir armas teleguiadas que podem atingir alvos a mais cinco mil metros de distância e com capacidade destrutiva para exterminar, em questão de minutos, toda a vida do planeta. Mas a fome continuou com a mesma cara arcaica de sempre no seio das sociedades altamente informatizadas. As pessoas continuaram famintas ao lado dos restaurantes modernos, nas calçadas limpas dos palácios, em frente às instituições de homens de bem, embaixo das pontes, nas portas das casas…
A mulher no quarto de despejo disse que a cara da fome era a cara mais feia do mundo, parece que os homens da mídia sabem disso muito bem, por isso expõem incessantemente o glamour da moda e do luxo do mundo capitalista; às vezes uma nota escapa num pequeno rodapé e mostra com rapidez cenas das disputas nos lixões, e as tristes partidas dos retirantes nos velhos paus-de-arara se dirigindo a São Paulo.
A UNESCO divulga há décadas a fome no mundo, a mídia divulga há séculos a evolução do capital. O governo anuncia anualmente o recorde na produção de grãos, o controle da inflação e a melhoria da qualidade de vida, mas a fome continua entre uma frase e outra que nem sempre são ditas.
As filas continuam aumentando nas portas dos fundos dos restaurantes à espera das sobras daqueles pratos que custaram mais que o salário de mais da metade dos trabalhadores brasileiros e que por não serem agradáveis ao paladar, ou ao olhar exigente de quem nunca passou fome, é deixado com protesto sobre a mesa. Mas para quem está do lado de fora o menu é o que menos importa. O sabor é o que menos importa. A cor do prato e a forma dos talheres são o que menos importam. A embalagem é a que menos importa. Toda comida é sempre um bem precioso para aquele que passou o dia de estômago vazio.
Como são patéticos os anseios humanos regidos sob o capital, lutamos durante séculos para conseguirmos o grau de conhecimento que hoje possuímos e agora que podemos utilizá-los para melhorar o mundo, invertemos tudo: usamos nosso poderio tecnológico para agredir mais do que para ajudar. Agora que podemos nos comunicar com o mundo inteiro, em questão de segundos, nos aprisionamos em nossos egoísmos. Agora que unimos o mundo inteiro através do mercado globalizado, continuamos optando pela segregação racial, pelo preconceito e pela cobiça que tanto nos tem feito sofrer. Agora que saímos dos porões da ditadura e podemos, em fim, trilhar à plenitude da democracia, optamos pela renúncia à liberdade e nos entregamos à escravidão do consumo.
A cara da fome sempre feia e indesejada por quem convive lado a lado, o tempo todo e despercebida por quem nunca a sentiu na pele, está sempre ali atrás dos canaviais, das grandes produções agrícolas, ao lado da casa do governo, do senador e do deputado. Está bem ali ao lado da casa do empresário, do trabalhador honesto, na porta das igrejas, dos supermercados, no meio das ruas e das praças.
Está ali escancarada, apavorante, cada vez mais vil e mais voraz. Esteve sempre em frente à minha casa enquanto eu cruzava os braços e culpava os presidentes que em sucessivas eleições se elegiam erguendo a ferro e fogo a bandeira daqueles que passavam fome, e os esqueciam depois que alcançavam o poder.
Mas os meus olhos clarearam, das profundezas vi uma luz, do infinito ouvi um clamor, o meu clamor na dura insensatez em que eu vivia diante da angústia de quem se apavora e não consegue fugir da cara horripilante da fome.
é triste mais é verdade! :/ que Deus abençoe estas crianças.
Nossa choquei com isso comoque pode em pleno sec 21 isso tem que acbar ….