jardim-das-hesperides.blogspot.com
Nasci numa comunidade que tinha o sol como seu bem mais precioso. Dele dependia o horário de trabalho, que era sempre do nascente ao poente e a alimentação sempre ao sol do meio dia e ao cair da noite.
As paqueras rolavam ao sol do litoral. Os corpos bronzeados eram pura sedução, um verdadeiro apelo ao acasalamento temporário. Os amores de verões, regados por cervejas e águas-de-coco bem geladas, eram combinações perfeitas para o ato sexual. Afinal, como dizia meu bom e querido bisavô, muito avançado para sua época: “sexo sem suor não presta, o menino nasce fraco e o orgasmo não é tão intenso a ponto de arrancar delírios”; por isso era sob o sol do meio dia, antes das refeições, que os bramidos e os desvarios regados pelo suor e odor de sexo denunciavam os instantes supremos em que os corpos sedentos em fúrias travavam batalhas mortais.
Sempre encarei a noite como um período de descanso, nunca fui um animal noturno, por isso dormir, neste espaço de tempo, sempre foi a melhor opção.
Cada amanhecer trazia consigo a esperança de grandes conquistas… Até o dia em que ouvi pela primeira vez uma blasfêmia contra o sol. Andava despreocudo como todo adolescente que se presa quando me deparei com um insulto tão descabido que quase não me contive, vinha de um ser intragável, de uma mulher feia, extremamente feia e muito branca… Era branca da cabeça aos pés… Até as sobrancelhas eram brancas… Era a mulher mais branquela que havia visto até aquele momento. Fiquei tão assustado com sua caricatura que não consegui desprender uma só palavra e, ela, por incrível que pareça, me ignorou e continuou a jogar suas farpas no mais perfeito de todos os astros, o sol. Sua ira era tão intensa que, se pudesse, o destruiria como quem queima uma folha de papel em branco.
Pensei comigo:
― O ser humano é mesmo indigno de merecer uma dádiva tão preciosa.
Mesmo sabendo que a nossa pluralidade nos torna tão únicos dentro de uma mesma espécie, achei aqueles insultos verdadeiras aberrações. Tive a impressão de que aquela mulher estava possuída por algum espírito ruim!
Dias depois, descobri que nossas comunidades eram vizinhas; para mim foi uma surpresa muito grande porque achava que conhecia a população inteira daquele lugar. O que me chamou a atenção, em especial, foi o fato de não ver na comunidade dela pessoas perambulando pelas ruas. O que não a habilitava como comunidade fantasma era o som da TV e da música que insistiam em denunciar a presença de vida naquela localidade. Achei estranho o fato das pessoas não andarem nas ruas, por isso passei dias investigando para saber se descobria algo sobre os moradores daquele lugar tão bizarro.
Minha mãe me falou que eram pessoas boas, só evitavam exposição ao sol porque eram albinas e os raios ultravioletas emitidos por ele lhes faziam mal.
A informação de minha mãe mereceu todo meu apreço, mas acabei ficando mais curioso, precisava saber o que faziam para viver, já que evitavam o sol. Na minha vã filosofia não havia possibilidade de vida sem os prazeres do sol. Felizmente minha curiosidade não demorou muito. Poucos dias depois, vindo numa das avenidas por onde eu menos gostava de andar quando retornava pra casa, sempre que o sol se punha, ouvi com espanto uma canção angelical, era de uma beleza magnífica, mas era estranha. Fazendo uma analogia ao nosso bom e querido ‘Machado’ eu disse:
― “Se és bela porque és estranha, se és estranha por que és bela?”
Assim, segui como que teleguiado na direção daquela voz bela e estranha… Aterrorizado, a menos de trezentos metros, avistei um grupo de trabalhadores rurais com suas foices e enxadas nas costas dirigindo-se ao trabalho, fazendo justamente o contrário do que fazíamos todos os dias. No meio daquelas pessoas, estava ela, aquela estranha mulher que havia blasfemado contra o sol. Era justamente ela, por incrível que pareça, quem entoava aquela harmonia superlativa. Era ela quem transformava a singeleza do violino e do piano na mais bela melodia que já ouvi. O som que ela entoava era tão belo que me parecia estranho. Pela primeira vez achei a beleza estranha. Era inexplicável, mas o canto ficava ainda mais belo à medida que eu me aproximava. O jeito como cantava e a singeleza do som que entoava, revelava a tão grande alegria com que vivia aquele momento. Ouvindo a canção entoada por aquela mulher, encontrei a verdade do ditado popular que diz: “as aparências enganam” e que o velho adágio popular: “a primeira impressão é a que fica”, precisava do complemento, “até que a outra verdade seja revelada”.
Depois de horas de encanto, saí daquele lugar de alma completamente limpa, parecia que penetrava numa nova dimensão. Sentia como se meu espírito definitivamente adentrasse à alma do universo e encontrasse sua verdadeira razão de existir.
Naquele episódio inesquecível de minha adolescência, aprendi que na face da beleza existem muitos lados e que nenhum deles é absoluto.
Gostei deste Max. Muito bom. Texto elegante e harmonioso e a moral da estória, excelente!
Cleube