Novos Tempos, Novas Lutas


Há alguns dias atrás recebi um e-mail intitulado: “O Cravo Não Brigou com a Rosa”, cujo autor não me lembro. Nesse texto a crítica é referente ao politicamente correto hoje presente em diversos espaços sociais, como família, bares e shopping centers.
O que me chamou mais a atenção foi o conteúdo conservador expresso no texto, que contem máximas como as seguintes: “O “politicamente correto” é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem”.  A expressão “coisa de viado” não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a “bicha” alguma”.
Vamos analisar com tranquilidade este conteúdo: que me desculpem os humoristas, mas se a única fonte de inspiração possível vem da de sacanear os outros é melhor que realmente seja sepultado, pois já passaram da hora de se atualizarem.
E mais se a expressão “coisa de viado” não é ofensa o “filho da puta” também é um elogio plausível para qualquer um.
O autor vai além inserindo um leque de frases referindo-se aos mais diversos tipos de pessoas presentes na sociedade. Não elenquei todos porque considerei perda de tempo, mas para que todos compreendam o teor do texto fiz alguns recortes. O primeiro refere-se à cor preta, da nova reformulação do IBGE. Vejam o que ele diz:

O crioulo – vulgo “picolé de asfalto” ou “bola sete” (depende do peso) – só pode ser chamado de afrodescendente.
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Imagine a alegria que uma pessoa da cor preta se sentia ao ouvir dos seus “amigos” expressões como estas. E mais, em que tais expressões contribuem para o fortalecimento da autoestima, ou da identidade cultural dessas pessoas?
O branquelo – o famoso “branco azedo” ou “Omo total” – de cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente.
Imagine a alegria que uma pessoa com essa cor recebia tal manifestação dos seus colegas de trabalho e de escola.
A mulher feia – “aquela que nasceu pelo avesso”, “a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada”, também conhecida como “o rascunho do mapa do inferno” – é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade.
Imagine uma pessoa que já nasceu fora dos padrões de beleza imposto pela sociedade e que precisa de um trabalho para sobreviver, com que autoestima se dirigiria a um balcão de emprego, ou à procura de alguém para se relacionar, ouvindo essa forma de descrição dos seus convivas diariamente.
O magricela não pode ser chamado de “morto de fome”, “pau de virar tripa” e “Olívia Palito”. O careca não é mais o “aeroporto de mosquito”, “tobogã de piolho” e “pouca telha”.

Estas são ótimas: imagine a alegria de uma pessoa dentro desse padrão descrito ao ouvir tais manifestações a seu respeito. Conheci muitas pessoas com esse perfil, mas não me lembro de ouvir nenhuma delas se descreverem com tais adjetivos. Será se era porque gostavam tanto que se derreteriam de alegria em se descreverem como tais e que por isso preferiam curtirem este privilégio sozinhas?
Muito pelo contrário, eles nunca repetiam tais adjetivos porque tinham plena consciência do peso que isso lhes causavam na hora da disputa por um emprego, ou na conquista de uma posição na sociedade.
mulheresnopoder.com.br
“pé na cova”, “aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança”, “o cliente do seguro funeral”, o popular “tá mais pra lá do que pra cá”, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a “melhor idade”.

Não podia me calar diante de tamanho insulto à velhice: veja o quanto mal nossa sociedade tem causado aos velhos que tiveram o privilégio de não morrerem cedo. Imagine como alguém pode se sentir após toda uma trajetória de vida e experiências acumuladas a custa de muita luta, ao receber tais adjetivos.
“O politicamente correto” também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O politicamente correto é uma demonstração de que a sociedade não tolera mais ser agredida por meia dúzia de “privilegiados” que nasceu dentro dos padrões pré-concebidos por uma sociedade arcaica e excludente, isso sim.
O politicamente correto é a grande manifestação pró-inclusão e um grito de toda uma sociedade que cansou de ser agredida em seus direitos. A “boa sacanagem” só é boa para quem não é sacaneado.
Estudei em diversas escolas e numa delas mais da metade dos colegas tinham apelidos. Imagine que numa dessas havia um que tinha o apelido de “CU” e todos se dirigiam a ele com essa denominação. Imagine a alegria com que ele descreveria aos seus amigos e familiares o novo nome recebido na escola. Não! Chega de agressão! E uma prova clara é o Bullyng, que tem originado diversos atos de revoltas extremas no Brasil e no exterior. O fator em comum a todos os revoltosos foi o fato de ser agredido verbalmente e fisicamente por seus colegas de escolas, ou pela comunidade onde vivia.
O apelido em todos os lugares por onde andei sempre foi um ato discriminatório, isto quando não era originado na família. Geralmente o apelido é criado por pessoas que estão incomodadas por outras que estão se sobressaindo em espaços dominados por padrões conservadores. Uma vez um amigo meu foi prestar uma seleção para trabalhar num escritório de advocacia e chegou revoltado por ter perdido a vaga para uma pessoa que segundo ele era “viado”, como consolo ele afirmou que só perdeu a vaga porque o diretor também era viado.
O que se constata em atitudes como essa é que o apelido só é “fabuloso” para quem está dentro de um padrão privilegiado na sociedade, para os demais: gordo, negro, índio, velho e gay é ato de exclusão e de agressão.
Deixo aqui meus pedidos de desculpas aos meus leitores, mas não podia me calar diante de um texto tão agressivo como o tal. Finalizo com a celebre frase do nosso grande Nelsom Mandela: 
discuthistoria.blogspot.com
Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. 
Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. 
A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta”.

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